sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

"Underway by nuclear power*"

É quase um clichê falar sobre o capacidade visionária de Julio Verne. O romancista francês previu inúmeros avanços científicos, como o submarino, a televisão, as viagens espaciais, globalização do sistema de produção entre outros.

Seus livros possuem, inclusive, coincidências extraordinárias, como, por exemplo, no romance "Da Terra à Lua", de 1865, onde Verne põe o local de lançamento da nave onde estavam Michel Ardan, Impey Barbicane e o Capitão Nicholl próximo de onde está o atual Centro Espacial Kennedy, da NASA, de onde saíram as missões Apolo.

Vale a pena lembrar que, antes que questionem tal conincidência, a localização de uma base de lançamento de foguetes segue critérios especificamente técnicos, como proximidade da linha do Equador, entre outros.

Lógico que tal feito utilizando um canhão como meio propulsor é tecnicamente impossível, pois a aceleração necessária para que seja atingida a velocidade de escape (velocidade em que a gravidade não consegue mais trazer o objeto de volta à Terra, mais ou menos 11 km/seg) em um trecho tão curto (o comprimento do cano do canhão) simplesmente transformaria qualquer coisa viva dentro do projétil em pasta.

Mas vim falar sobre outro livro: "Vinte mil léguas submarinas"

Certa vez Janer falou sobre o visionário de Taubaté, que previu, entre muitas outras coisas, a Internet, o planejamento minucioso da eliminação física de uma população inteira (só errou o lugar) e a eleição de um presidente negro nos Estados Unidos. Seu nome: Monteiro Lobato.

Pois venho dar meu depoimento, e será através de "vinte mil léguas submarinas". Que me interessa particularmente pelo interesse que tenho por máquinas e seu funcionamento. Nesse caso, um submarino.

Sei que o submarino já existia nessa época. Lógico, bem rudimentar (USS Hunley) Mas me chama a atenção a maneira como Verne o descreveu, muito próxima a dos submarinos atuais. A começar pela propulsão. Segundo o Capitão Nemo:

"Há um agente poderoso, obediente, veloz, de fácil manejo, que se amolda a todos os usos e que reina como senhor absoluto a bordo o Nautilus. Ele, aqui, tudo faz. Ilumina, aquece, é vida e alma de meus aparelhoe mecânicos. Este agente onímodo é a eletricidade."

Hoje, a maioria dos submarinos são de propulsão diesel-elétrica, com odiesel sendo usado na superfície e a eletricidade quando submerso. Embora novas tecnologias estão sendo desenvolvidas como a célula de combustível e o AIP (Air Independent Propulsion), a primeira, em fase de estudos e a segunda, já adotada por diversas marinhas.

Além da propulsão, também Verne previu seu design:

"Aqui estão as diversas dimensões do barco que nos transporta. Tem a forma de um cilindro comprido com extremidades cônicas. É sensivelmente parecido com um charuto, forma adotada em Londres para várias embarcações da mesma espécie"

Tal forma é hoje utilizada por todos os submarinos que navegam mundo afora. É o casco em forma de "gota". Nemo continua a descrição:

"O comprimento deste cilindro, de ponta a ponta, é exatamente setenta metros, e a viga da coberta, na maior largura, mede oito metros.(...)Vale dizer que completamente submerso desloca mil e quinhentos metros cúbicos, ou pesa mil e quinhentas toneladas."

É a medida padrão dos submarinos atuais. Em especial os diesel-elétricos. Os nucleares possuem um comprimento e um deslocamento maior em razão de seu maquinário mais volumoso.

"O Nautilus possui dois cascos, um interior e outro exterior, ligados em si por barras de aço em T, que lhe dão rigidez insuperável. Realmente, graças a essa disposição, resiste como se fora um só bloco. A sua bordagem não pode ceder, porque adere por si mesma e não pela pressão de rebites, e a homogeinidade, devida à perfeita ligação dos materiais, permite-lhe desafiar os mares mais tempestuosos."

Aqui, Verne descreve aquele que seria o método construtivo dos submarinos até hoje. o que impressiona é que, no Nautilus, até mesmo os rebites não seriam usados. Previu, inclusive, o sistema de direção:

"Para dirigir essa barco para bombordo, para estibordo, em uma palavra, para governá-lo no plano horizontal, sirvo-me de um leme comum de grande safrão, cravado através do cadaste e que movimento por meio de roda e de talhas. Entretanto, também posso movimentar o Nautilus em plano vertical, de baixo para cima e de cima para baixo, mediante dois planos inclinados presos ao costado à altura do centro de flutuação e que são móveis, podendo tomar todas as posições, sendo manobrados do interior do submarino por meio de poderosas alavancas. Quando esses planos são conservados paralelos ao barco, este se deloca horizontalmente. Quando inclinados, o Nautilus, de acordo com a inclinaçãoe sob impulso da hélice, desce ou sobe, segundo a diagonal que me convenha."

Tais planos, nos submarinos de hoje, geralmente ficam a ré (perpendiculares ao leme) e a vante (ou na torreta).

Verne, previu, inclusive, a construção em módulos à partir de locais diferentes, um prenúncio do sistema de produção do mundo globalizado de hoje. Pergunta o professor Aaronax:

- Então o senhor é engenheiro?

- Sim - respondeu Nemo - Estudei em Paris, Londres e Nova York, no tempo em que era habitante da terra.

- Como conseguiu construir em segredo este maravilhoso submarino?

- Cada uma de suas partes veio de um ponto diferente do globo e com o endereço diferente do verdadeiro. E todos os fornecedores receberam a encomenda e as especificações sob nomes supostos.

Para exemplificar, o jato Embraer EMB-145 é nacional só no papel, pos várias de suas partes são fabricadas em outros lugares. As asas são fabricadas no Chile. O trem de pouso, nos Estados Unidos. Só para exemplificar.

Lógico que em alguns aspectos Verne exagera, como por exemplo, quando o Nautilus atinge dezesseis mil metros de profundidade (os submarinos modernos não chegam a quinhentos, e o ponto mais profundo da Terra não chega a doze mil). Mas o que seria da ficção científica sem seus pequenos exageros?

Mas, o mais impressionate, para mim, foi a antecipação de outro feito humano extraordinário:

- Ora, Professor - replicou com ironia o capitão - o senhor será sempre o mesmo! Só vê empecilho e obstáculos! Eu lhe asseguro que não só o Nautilus se libertará (estava preso na banquisa) como prosseguirá em sua rota.

- Mais para o sul? - perguntei, encarando o capitão

- Perfeitamente. Irá ao pólo

- Ao pólo? - exclamei, sem poder conter movimento de incredulidade.

- Ao pólo - respondeu friamente o capitão. Ao pólo antártico, a esse ponto desconhecido, em que se cruzam todos os meridianos do globo. O senhor sabe que faço do Nautilus o que quero.

Em 9 de junho de 1958, o USS Nautilus (SSN-571), primeiro submarino nuclear construído no mundo, iniciou uma épica travessia cujo ápice ocorreria às 23h25min do dia 3 de agosto, quando sua torreta rompeu um ponto do pólo norte onde a camada de gelo estava mais fina (descoberto através do sonar). É uma viagem épica porque foi uma travessia feita por debaixo da camada de gelo, sob águas não mapeadas e utilizando apenas o sonar - que Verne não previu, pois Nemo achou um ponto mais fino no gelo através da tentativa e erro, ou seja, tocando várias vezes o dorso do submarino na superfície de gelo.

Verne, em 1870, previu um feito que viria a acontecer 88 anos mais tarde. Só errou o local.

Enfim, são essas pequenas coincidências que torna a obra de Julio Verne tão fascinante e que lhe dá, muito justamente, o título de pai da ficção científica.

*Mensagem histórica emitida pelo Comandante do USS Nautilus (SSN-571) ás 11 horas do dia 17 de Janeiro de 1955, quando a embarcação se pôs ao mar pela primeira vez, inaugurando uma nova era na guerra submarina.

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