sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Buscar para quê, se posso pedir?

"Ah o meu orixá nunca me deixou na mão. Tudo que eu pedi ele me deu. Se tô precisando de dinheiro e invoco ele, ele me atende. Se aponto para aquele homem e digo "quero ele" ele vai lá e me atende. Quando tenho algum problema, invoco ele e tudo se resolve."

Ouvi isso de um rapaz no trem, voltando para casa (coisa feia esse negócio de ficar ouvindo conversa alheia). Não sei porque ainda me impressiono com isso. Deve ser porque odeio pedir as coisas. A conquista é um prazer caro a mim. Mas parece que não a outros. Hoje em dia todo mundo quer tudo fácil. Dinheiro fácil, homem fácil, mulher fácil, vida fácil. Trabalhar para quê?

E assim o ambiente se torna mais do que nunca propício aos teólogos da prosperidade. Que, aliás, prosperam grandemente graças aos pidões de todo tipo. Me recordo dos tempos de assembléia de deus. Havia um homem que dava aula na escola dominical cuja pregação só falava de bens materiais.

"Se você que um carro, vai lá e pede: Senhor, me dá um carro. E ele vai te atender. Pode ficar certo disso. Se você quer uma casa e pedir: Senhor, me dá uma casa, ele vai te dar. Você tem que crer!"

Edir Macedo sabe dizer isso melhor que ninguém. Seu patrimônio está aí para provar.

E os orixás nessa história? bom, vendo sua freguesia toda debandando para os templos, é óbvio que não ficariam de braços cruzados. Só que, como não tem os mesmos recursos audiovisuais dos neopentecostais teólogos da prosperidade, têm que usar da propaganda boca-a-boca.

Mas os orixás não precisam ficar apreensivos. Enquanto houver gente disposta a não buscar nada e viver só na base do "me dá", haverá sempre freguesia garantida.

Freguesia essa que aumenta cada dia mais.

Frase do dia (no aniversário da Terra da Garoa, e com a nova regra gramatical)

São Paulo não para. Porque não tem lugar para estacionar. (Crédito: José Simão)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Tudo em nome da fé

Certa vez, li um panfleto evangélico intitulado "O homem que matou Deus", falando a respeito de Nietzche e de uma de suas frases mais explosivas (imagina decretar a morte de Deus em pleno século XIX). Pois bem, esse panfletinho nos advertia a não seguirmos o caminho de Nietzche, pois "o seu fim foi terrível" (a velha tática da ameaça). E dizia que Nietzche no seu leito de morte afirmara que "se existe um Deus vivo, sou o mais miserável dos homens".

Acreditei em tal história durante muito tempo. Até que um dia li o livro "Nunca houve um homem como Heleno" do jornalista Marcos Eduardo Neves, que contava a biografia de Heleno de Freitas, grande jogador do Botafogo da década de 40 e um ícone de sua época, que terminou seus dias em um manicômio em S. J. Nepomuceno, vítima de sífilis em último grau.

Bom, não sei se os leitores daqui se interessam por futebol. Eu, particularmente, adoro. Ninguém é perfeito. Mas esse livro é bem interessante pelo fato de descrever todo o processo de degeneração do sistema nervoso de uma pessoa atacada por sífilis. Certamente alguns já conhecem, mas vou resumir: inicialmente há alterações repentinas de humor com frequentes rompantes de agressividade, passando para uma perda de lucidez que faz com que a vítima fale e faça coisas sem sentindo (nesse momento a pessoa é internada, muitas vezes pelo resto da vida), evoluindo para uma paralisação progressiva dos membros superiores e inferiores e encerrando-se em um estado vegetativo.

Pelo que consta, Nietzche teve idêntico fim.

Aí vem a questão: Uma pessoa em estado vegetativo não fala nada. Não faz nada. Como Nietzche teria proferido as palavras citadas pelo tal panfletinho se estava em estado vegetativo? Como dizia um programa de humor nacional: "Mistérios sobrenaturais do outro mundo".

Eis aí um caso claro de manipulação de informação. Mas... tudo em nome da fé. Até inventar que um filósofo em estado vegetativo cuja obra teve como marca a repulsa ao cristianismo teria admitido a possibilidade da existência de Deus.